O Theatro Melpômene foi o 1º teatro à italiana de Vitória (ES), inaugurado em 1896 na Praça Costa Pereira, Centro Histórico da cidade, e demolido em 1925, um ano após sua interdição.

O edifício possuía uma volumetria que se destacava no contexto da cidade, ainda com sua arquitetura e traçado urbano colonial de final do século XIX. Podia ser visto da Baía de Vitória, para a qual tinha posicionada a sua fachada frontal, e de vários pontos de vista da pequena Villa de Victoria, como das Igrejas do Rosário e do Carmo.

O antigo Largo da Conceição da Prainha, transformado em Praça Costa Pereira, foi o território escolhido para implantação do teatro. No terreno vizinho ao do teatro existia a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, que foi demolida após a construção do teatro, pois os frequentadores da capela sentiam-se ameaçados pela ‘exposição moral’ a que poderiam se submeter, dada a proximidade com um espaço daquela ‘natureza’.

A localidade estava sujeita a frequentes alagamentos visto que abrigava o estuário do Reguinho, riacho que descia do Morro da Fonte Grande, canalizado posteriormente para dar lugar à urbanização da Rua Sete de Setembro e entorno.

A fachada do teatro era toda modulada em painéis de madeira com sistema de travamento cruzado interno das peças, lembrando a estrutura do sistema construtivo enxaimel. As peças de madeira – pinho-de-riga – foram trazidas de navio do Rio de Janeiro, de onde já vieram modeladas.

Para construir o teatro foram contratados diversos profissionais italianos da construção civil, a começar pelo engenheiro projetista da obra – Filinto Santoro, o pintor Spiridioni Astolfoni, e o jovem ajudante de serviços Andrea Carloni.

O Projeto Arquitetônico do teatro foi desenvolvido por Santoro entre 1895 e 1896, que redigiu um memorial descritivo abordando questões conceituais, técnicas e construtivas da edificação, e ainda apresenta referências estéticas e programáticas que esclarecem seu processo criativo e decisões projetuais importantes.

Internamente, na sala de espetáculos observa-se as ordens da plateia: térrea, frisas, camarotes e galerias. A planta em ferradura revela o traçado das edificações teatrais neoclássicas. O arco de cena decorado, possuía camarotes de palco nas suas laterais e um fosso de orquestra. Foi a primeira edificação de Vitória a ter luz elétrica, fornecida por gerador próprio.

O teatro recebia uma diversidade de atrações, principalmente espetáculos cênicos. Exibiu a primeira sessão pública de cinema em 1901, e instalou no espaço um dos primeiros cinemas da cidade. Os eventos políticos e sociais também eram frequentemente abrigados pelo Melpômene, como bailes de carnaval e banquetes.

Em 8 de outubro de 1924, durante a sessão do filme Ordens Secretas, um princípio de incêndio na cabine de projeção do Melpômene levou o público a um pânico destruidor. O desespero levou algumas pessoas a se jogarem do balcão para dentro e para fora do teatro. Parte da escada destinada ao público do balcão cedeu ao peso. O incêndio foi controlado, mas dois mortos e dezenas de feridos foram o resultado da tragédia, que levou ao encerramento das portas da casa de espetáculos.

O edifício foi interditado em 1924 e em 1925 o Theatro Melpômene foi totalmente desmontado. Todo o material foi adquirido por André Carloni, que construiu o Theatro Carlos Gomes utilizando as colunas metálicas do Melpômene para sustentar as galerias dos camarotes do novo teatro.

A Praça Costa Pereira passou por uma transformação radical do seu traçado, que excluía o Melpômene da sua conformação, mas previa em projeto a construção de dois teatros, incluindo o Carlos Gomes.

Os ecos de sua existência reverberam até hoje naquele lugar: no Carlos Gomes, que herdou o posto de primeiro teatro; no programa multiuso do espaço (Cinema-teatros-galeria de arte-biblioteca-salas de música, etc.) adotado pelo velho Glória, hoje Centro Cultural; na proximidade dos equipamentos públicos culturais da vizinhança (Escola de Teatro, Dança e Música FAFI; Museu de Artes do ES/MAES; Casa Porto; Palácio Sônia Cabral; Galeria Homero Massena; Palácio Anchieta; Arquivo Público Estadual; Museu do Negro), antes prédios públicos com usos diversos, hoje espaços da arte; nos inúmeros núcleos de cultura e coletivos artísticos hoje instalados no Centro; no movimento agregador da população e de seus grupos culturais por meio da energia do espetacular presente na praça; e no imaginário de quem soube um dia que ali existiu um velho teatro de madeira.

Não foi queimado vivo pelo fogo. Sobreviveu à maldição do incêndio, mas não ao pânico de sua possibilidade. Transformou um espaço público insalubre, e quase abandonado pela iniciativa pública – o antigo Largo da Conceição da Prainha – em um ponto de encontro social, cultural, e político da cidade. Acelerou a reconfiguração de uma localidade, anteriormente formatada pelas águas de uma pequena baía (dentro de outra maior) em um território sólido e central em relação às demais regiões da cidade.

Um lugar com significado e memória. Um lugar com passado e presente vivos, e em permanente estado de transformação da sua paisagem e ocupação. Um lugar onde a efemeridade, paradoxalmente, se instalou permanentemente. Um lugar do Genius Loci do espetáculo, que nem todas as forças ocultas que deram a “ordem secreta” para sua destruição conseguiram encerrar a sua “cena” para sempre.